domingo, 21 de junho de 2009

parto humanizado

-Mas no SUS? Perguntei, admirada com a escolha da minha filha.
-É, mãe! Num serviço de referência em parto humanizado.
Eu imaginava que todos os partos de humanos fossem humanizados, e os de animais fossem animalizados. Mas não eram. Eu estava desatualizada nesse quesito.
-O que exatamente é um parto humanizado?
Seguiu-se uma descrição minuciosa, culminando com a frase de grande poder de persuasão:
-É um parto normal, feito com um mínimo de interferência da medicina.
Eu me convenci porque acho assustador o fato da medicina ter se transformado em algo invasor e cruel nos últimos tempos. A boa e velha conversa da primeira consulta cedeu lugar à solicitação de exames sofisticados. A pressa e a ganância modificaram a conduta de alguns médicos; geraram, por exemplo, um grande número de cesarianas desnecessárias.
Mas, mesmo achando razoável, fiz questão de verificar in loco, porque eu absolutamente não acreditava que toda aquela maravilha fosse possível num hospital público. Confesso que fiquei surpresa com o que vi: instalações impecáveis, UTI neonatal equipada com a parafernália mais moderna, tudo funcionando. E, para minha comoção, muita delicadeza no trato com as jovens mães!
Assim, ficou tudo combinado. Mas combinado entre nós, pobres mortais, que não detemos esse poder: o do controle sobre a própria vida.
Faltavam duas semanas para a data prevista do parto, depois de uma gravidez normal, que em nada alterou a vida agitada da minha filha. Recebi o telefonema decisivo naquela manhã, que em tudo se anunciava tranquila:
-Estourou a bolsa!
Fui ao encontro dela com a calma de se esperar: partos têm seu tempo para acontecer, principalmente sendo o primeiro. Quando cheguei, já a encontrei cheia de dores, as contrações castigando a intervalos curtíssimos.
- Como assim? Perguntei. - Quando começaram as cólicas?
- Senti uma dorzinha de leve durante toda a noite, mas não imaginei que fosse trabalho de parto! Agora é que apertou!
A situação era de extrema urgência: o hospital do SUS, tão meticulosamente escolhido, ficava distante. Sugeri:
- Vamos a outro hospital. Qualquer outro mais perto.
Ela foi categórica:
-Não, eu escolhi o parto humanizado!
Não adiantaria argumentar: não havia essa possibilidade em outro hospital da cidade. Saímos às pressas. No intervalo entre uma contração e outra, ela desceu correndo um lance de escadas, em vez de usar o elevador, o que qualquer mulher faria nessa hora.
A caminho do hospital, meu marido se comportava tal e qual um motorista de ambulância ao volante: piscalerta ligado, fazendo loucuras no trânsito. Meu genro no banco da frente, pálido e mudo. No banco de trás, ela abraçada a mim. Eu procurava espantar a apreensão que me tomava, e dizia palavras escolhidas, com uma certeza que eu não tinha:
- Eu estou aqui com você, não se preocupe, vai dar tudo certo!
Já estávamos bem próximos do hospital, quando ela gritou, aflita:
- Vai nascer, encosta o carro!
Mas não houve tempo: com o automóvel ainda em movimento, numa facilidade espantosa, o menino brotou dela e se atirou em minhas mãos, gritando com a força dos pulmões inaugurados, olhos abertos para o mundo.
Naquele instante, tudo desapareceu à nossa volta, ou, quem sabe, se moveu em câmera lenta, para assistir à fantástica explosão da vida. Parado, até o tempo quis reter aquela mágica!
Como cada um de nós, o menino era só, e chorava o seu espanto no ato de nascer. Com ele nos braços, revivi o nascimento dela, e a sensação única da mãe que vê um filho pela primeira vez.
Maravilhada, coloquei meu neto sobre ela e os cobri, cuidadosamente, com as toalhas que recolhemos às pressas, de saída, naquela fria manhã de sexta-feira.

Angela Nabuco

3 comentários:

  1. Angela,
    fiquei toda arrepiada com sua crônica sobre o nascimento de Antonio. Não havia imaginado maneira mais linda de vir ao mundo. Parabéns ao "motorista da ambulância", à sua filha, ao genro que escolheu uma família linda, a você que além de tudo é muito corajosa e ao antonio que só poderia fazer parte desta família. Um beijo enorme e muitas felicidades para todos da amiga de oficina da crônica Márcia Lopes.

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  2. MA-RA-VI-LHO-SO!!!!!!!!!!
    EU ESTOU EM ÊXTASE...
    QUE COISA LINDA. É O MEU SONHO!!!
    SEMPRE DISSE QUE SERIA UM SER HUMANO MAIS COMPLETO APÓS PASSAR POR TAL EXPERIÊNCIA. NADA PROGRAMADO, UM IMPREVISTO, CONTRAÇÕES EM RÍTIMO ACELERADO, UM ESTAMPIDO... NASCEU!!!
    E EU ALI, DESPRETENCIOSO E MUITO, MAS MUITO FELIZ POR TER SIDO PRESENTEADO COM O INESPERADO MOMENTO EM QUE A VIDA GRITA POR PERPETUAÇÃO, É UM MOMENTO MÁGICO. SEM MEIAS PALAVRAS TUDO É POUCO DIANTE DE TAL MAGNITUDE.
    VCS ESTÃO DE PARABÉNS!!! TODOS FORAM PREMIADOS.
    PROTAGONISTAS DA VIDA REAL...
    LINDO VER O CICLO SE REPETINDO...SUA MÃE, VC, SUA FILHA E EM SEUS BRAÇOS O BEM MAIOR.
    ANTÔNIO - ABENÇOADO MENINO!!!
    MAS QUE PRESSA, HEIN???

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  3. Ângela,
    Me emocionei ao ler esta crônica... Antônio chegou de forma encantadora!!! É mais um privilégio de sua vida! Fiquei imaginando o Eduardo como motorista de ambulância!!!! Parabéns a todos vcs!!!
    Beijo

    Flávia - BH

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