quarta-feira, 4 de março de 2009

o folião

O bloco seguia num só corpo.
Denso, suado, mais raivoso que feliz.
Ele era parte do todo, e não perderia por nada aquela maravilha: o batuque repercutindo dentro do peito, brincos de argola nas orelhas, o sol castigando as costas nuas, e a cerveja descendo macia goela abaixo.
Duchas de água regavam o bloco e ajudavam a manter o raciocínio num funcionamento mínimo.
Era segunda feira e ainda tinha muito carnaval pela frente.
Foi o último a sair do bloco, esticando aquela farra o mais que podia.
Depois seguiu andando pela Presidente Vargas, meio trôpego, rumo de casa. Lá pela altura da Central deu de cara com um sujeito enorme, um troglodita fantasiado de Xuxa.
A expressão não era nada infantil, e à medida que chegava perto, piorava.
-Achei você! Disse aos berros.
-Você quem? Está me confundindo com outro cara, meu chapa!
-Não disfarça, é você mesmo! Sacando do revólver escondido sob a sainha cor de rosa, desferiu um, dois, três, muitos tiros no suposto inimigo.
Olhos arregalados, sem entender nada, o corpo do folião convulsionava, à medida que recebia as balas, até cair de cara no chão.
O cromagnon se mandou, rápido e rasteiro.
Começou o ajuntamento, as pessoas fizeram uma roda em volta dele: -Acho que está morto, acho que está respirando, chama a ambulância!
O folião acordou no pronto socorro do Sousa Aguiar, sentindo aquele cheiro horrível que misturava sangue, suor e cachaça.
Com a visão ainda meio turva, tentou se levantar da maca dura e gelada; a cabeça rodopiou, e ele não saiu do lugar.
Chegou o enfermeiro: -Não levanta não, companheiro.
Raios X daqui, exame de sangue de lá, ele nem saberia dizer por quanto tempo ficou por lá, até se chegar à conclusão que nenhum órgão vital fora atingido.
Não era mesmo o dia dele partir para o além.
Foi liberado e informado que era quarta feira de cinzas.
Na saída, entre grave e possesso, cruzou a porta de folha dupla, daquelas de vai-e-vem.
Voltou-se patético, os braços abertos em cruz, segurando as portas e disse bem alto para não deixar dúvidas:
-Vai haver um crime na Central!
E saiu, o mais determinado dos homens.

Angela Nabuco

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