domingo, 5 de abril de 2009

filho da...ou um dia de cão no rio de janeiro

-Filho da puta!
Essas foram as primeiras palavras que ela ouviu quando botou os pés na rua. O ciclista quase atropelado lançou o elogio para o motorista imprudente e recebeu um sinal obsceno em resposta. Não tinha importância. Ela estava feliz por voltar ao Rio, havia tantos janeiros que estava longe da cidade! Olhava tudo com olhos de primeira vez.
Naquela manhã quentíssima, a caminho do mercado, parecia que todos os cães do mundo tinham descido à rua com seus donos. Acabou sujando a sandália rasteirinha e os dedos do pé com o produto dos cães.
Compra feita, teve que enfrentar a longa fila do caixa. Um sujeito passou deliberadamente à sua frente, mas ela fingiu não perceber, enquanto enxugava o suor descendo no rosto.
De volta ao apartamento, passou muito filtro solar e saiu para caminhar no aterro do Flamengo. Ainda bem que ia a pé, porque o trânsito estava infernal!
Lá a fauna humana desfilava pelo cenário magnífico, sob a proteção do Pão de Açúcar: era gente de todo jeito, uma riqueza! Observava todos com satisfação, mesmo quando alguém jogava no chão um copo de plástico amassado.
De repente a voz: -Perdeu! Entregou tudo o mais rápido que pôde para se livrar do sujeito. E lá foi ele, dinheiro e celular no bolso, andando com a calma dos que não temem.
Sentou-se para descansar do susto e viu um grupo de rapazes fumando tranqüilamente a sua maconha debaixo de um cartaz onde se lia as declarações dos direitos humanos.
Caminho de volta, foi parada por um garoto cheirando a cola, que pediu uns trocados para comprar pão. -Não tenho, meu filho, acabei de ser assaltada! -Valeu, minha tia, fica pra próxima, o outro chegou primeiro. Deu um risinho de lado e sumiu no meio dos carros.
Já em casa, o barulho do tiroteio que vinha do morro mais próximo não a incomodava em nada. Estava de ótimo humor, e feliz por estar no Rio.
Mas uma coisa a tirou do sério: latidos, muitos, alguns como gemidos, outros como uivos tristíssimos invadiam o seu sossego. Os donos saíram para o trabalho deixando os pobres animais sozinhos: pobres deles e pobre dela que teria que escutá-los o resto do dia.
Chegou a desejar que algum vizinho ligasse o som aos berros, tocando um proibidão...

Angela Nabuco

Um comentário:

  1. Síntese do cotidiano carioca. rsss. bom resumo. Não me espantaria nada se o conto de fato fosse.
    Daniel.

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