quinta-feira, 2 de abril de 2009

quase

Na noite em que completou 50 anos ela teve insônia pela primeira vez.
Como um marco divisório ou uma profecia: a partir de agora envelhecerás e terás insônia.
Foi uma agitação ligeira na hora de deitar.
Meio século, pensou. Ela se deu conta que já tinha cruzado o cabo da boa esperança e daí para frente iria caminhar ladeira a baixo.
As noites foram acontecendo cada vez menores e mais difíceis.
Rolava o corpo na cama, suado, tenso, sem lugar.
Experimentou calmantes e hormônios e sentiu-se ainda mais miserável sob o efeito deles.
Começou a criar rituais: um banho morno, uma xícara de leite quente, e tudo só fazia aumentar o calor e a agitação.
A partir das oito não atendia ao telefone e entrava em estado de meditação transcendental: cantava mantras, acendia incenso e ouvia músicas da Enia.
Mas bastava deitar a cabeça no travesseiro que seus olhos se arregalavam e uma luz interna se acendia.
Será que lhe haviam voltado os temores da infância, o medo do escuro? Acendia a luzinha fraca do abajour. Nada.
Tentava tudo, mas o que temia era ela mesma: o envelhecimento, a doença, a morte, a solidão e a falta de sentido da própria vida.
O relógio tiquetaqueava de forma abusiva, lembrando que o tempo passava e ela teria uma longa noite pela frente. Tinha vontade de jogá-lo longe, o canalha.
Chegou a invejar o marido que resfolegava a seu lado, no sono pesado, entrecortado de roncos e apnéia.
Começou a desenvolver olheiras fundas e a ter lapsos de memória.
Não se concentrava, parou de dirigir.
-Acho que você é capaz até de ficar sem respirar para pegar no sono, disse o marido.
Ela começou prendendo a respiração por curtos espaços de tempo.
Com a prática foi conseguindo se manter assim por períodos mais prolongados. A baixa de oxigênio lhe conferia um ar arroxeado do qual ela não se dava conta, e uma quase inconsciência que ela atribuía ao sono.
Um sono quase reparador.
E ela estava quase feliz.

Angela Nabuco

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