quarta-feira, 18 de agosto de 2010

inominada

Há muito que fui dona do mundo.
Sonhava eternidades.
Emoldurei um quadro, com moldura escolhida a dedo, combinei cores, personagens.
A história de mim, com algumas bordaduras de enfeite.
Mas, com que atrevimento nele te insinuastes - tu - fantasma de realidades?
De inicio, levíssima.
Aqui e ali lascavas a moldura nas quinas.
Depois borravas o vidro com as manchas do bolor.
Alguns personagens sumiam, provisórios.
Obra tua.
Brincavas com o meu sonho, desfazendo e refazendo os nós, à vontade, na história minha.
Surgias na foto - como se ali coubesses - com teu rosto de ninguém, e te sobrepunhas aos corpos dos personagens queridos.
Sumias outras vezes, é verdade, mas deixavas o rastro no cheiro de incerteza.
Enquanto empoeiravas a cena, eu cuidava dela com cremes de beleza.
E voltavas, no oco da carne flácida, mudando o roteiro, rindo-se de mim.
À medida que me acostumava com tua presença, eu me fazia mais calma.
Como numa entrega ao amante irresistível e brutal, fui me rendendo aos poucos.
Afinal, estavas ali mesmo, cada vez mais íntima, abrindo a geladeira, deixando cair o corpo no sofá (como se teu fosse), os pés sobre a mesinha de centro.
O quadro, esse guardado, para que eu não visse, sangrando, a solidão que é minha, posse indiscutível.
Nele só restamos tu e eu, em devassa intimidade, sem que nem ao menos eu te soubesse o nome.


Angela Nabuco

Nenhum comentário:

Postar um comentário