domingo, 12 de abril de 2009

pessach

Pessach, do hebraico, significa passagem.
Daí vem a palavra Páscoa, que nós esvaziamos de seu significado e preenchemos o buraco com símbolos vazios: assim acontece todos os anos, quando as pessoas saem às compras, em busca de coelhos e ovos de chocolate (relação essa que, até hoje, nenhuma explicação conseguiu me convencer).
As vendas de ovos de Páscoa suplantaram as expectativas para tempos de crise: até fila eu vi, e não era pequena. Os ovos eram baratos e de boa qualidade, e um pequeno tumulto se formara à porta da loja de um shopping.
Resolvi me sentar para assistir de camarote. Com direito a ar condicionado amenizando o calor, que agora invade o outono e amolece o chocolate, para o terror dos lojistas: os ovos moles afundam sob os dedos dos compradores que insistem em vê-los com as mãos, esse mau hábito dos brasileiros.
Do lado de fora da loja, a fila consistia no clássico empurra-empurra, no agora é minha vez e em algumas discussões rápidas, logo contornadas pelos demais.
Uma senhora quis fazer valer o lugar privilegiado de idosa, e tentou passar à frente de todos. Vieram os protestos: aqui não é banco não, mande vir o seu neto para enfrentar a fila no seu lugar. Resignada, ela se dirigiu para a última posição.
Tinha a moça em uniforme de trabalho, de ar cansado, que sacrificava a hora de almoço para ficar na fila.
Tinha aquela mulher que puxava uma conversa comprida e chata no meio da confusão: não logrou êxito.
Os homens, com o paletó do terno pendurado nos ombros, olhavam o relógio, impacientes.
Na fila também estavam as patricinhas, que sempre povoam os shoppings: três delas, de cabelos longos, devidamente alisados pela escova progressiva, magras e loiras (mesmo sendo morenas). Todas vestiam calças de marca, usavam brincos de argola e portavam celulares cor de rosa. Lindas e uniformes, as patrícias.
Como a oferta era tentadora, um morador da comunidade mais próxima entrou na fila: era um menino franzino, em estado visível de abandono, pés no chão. A presença dele abriu um clarão na fila. Ninguém queria encostar, ou ser encostado pelo garoto. Ele, acostumado a essa realidade, fingia não perceber, até o segurança o retirar dali. E lá foi o moleque, com um misto de medo e raiva nos olhos grandes.
Compra feita, o feliz consumidor saía da loja, passando apertado pela porta, como num parto: uff!!!
Dentre eles, se perguntados, talvez poucos soubessem dizer que Páscoa é renascimento, é renovação, tempo de abolir convenções prescindíveis que complicam a vida.
Tempo de abrir mão de velhos hábitos que nos prejudicam; de rever conceitos e preconceitos que excluem e marginalizam os outros.
Tempo de rever obrigações ditas sociais, e que, por serem superficiais, de verniz, não resistem à primeira exigência de real solidariedade entre as pessoas.
Talvez não tenhamos nos dado conta que de nada vale tanto esforço na compra de um ovo de chocolate, se ano após ano ainda somos os mesmos, e, depois de comê-lo, jogamos no chão da rua o papel brilhante que o envolve.

Angela Nabuco

Nenhum comentário:

Postar um comentário