sábado, 30 de maio de 2009

na cinza comprida do cigarro

Fim de tarde, saída de colégio.
Os alunos tagarelavam, comemorando o simples fato de estarem vivos, e livres dos muros da escola. Os mais velhos se afastavam em grupos, mascando chicletes, mochilas às costas, entre risadas e paqueras. Pais buscavam as crianças menores, que, excitadas, lhes faziam o relatório dos acontecimentos do dia.
Ele aguardava no ponto do ônibus, enquanto olhava a cena, maquinalmente.
Cigarro pendurado à boca, sentia-se cansado. O sol já ia amainando no planalto central, e o ar seco lhe arranhava a garganta. Ou seria por causa do pigarro?
Aborrecido, já percebera que ela não ira comparecer, mais uma vez, ao encontro marcado. Não entendia porque levava aquilo adiante. A sensação de fracasso o dominava, e o corpo falava disso à sua moda: ombros arqueados para frente, sobrancelhas caídas, braços pendendo para baixo.
O relógio marcava pntualmente os minutos, indiferente á ansiedade qyue o corroía.
Agora, a calçada do colégio estava quase vazia. Só o pipoqueiro e o cara do sorvete, alheios, contavam o dinheiro.
Mas restava uma menina, de presumidos sete anos de idade, sentada no chão de pernas cruzadas. Como a deixaram sair sozinha? Tinha um ar contrariado, como o dele, mas os olhinhos de jabuticaba eram vivos, espertos, fixados na direção dos carros que passavam pela rua. A merendeira e a pasta pelo chão, abandonadas.
- Pais relapsos! – Pensou alto, o que já estava se tornando um hábito.
O tempo passava, e ele, mais por teimosia que por esperança, aguardava. Conferia o dinheiro curto nos bolsos, avaliava a conveniência de prolongar aquela aflição por tanto tempo.
A menina também esperava, cada vez mais inquieta, ora de pé, ora sentada.
Resolveu se aproximar dela:
- Sua mãe ainda não chegou?
- Não.
- Quantos anos você tem?
- Sete.
Ele acertara a idade. A menina respondia sem olhar, como se estivesse conversando com alguém invisível. Sentiu que alguma coisa o satisfazia na companhia dela: fosse pelos cabelos fartos, ou pela pele clarinha, sem manchas. Tudo tão diferente do seu mundo gasto, velho de solidão.
Acendeu mais um cigarro, e quase o ofereceu à menina, acostumado a lidar só com adultos. Ficou quieto ao lado dela, imaginando como seria ter uma criança em sua companhia. Não saberia o que conversar, como prepará-la para o colégio. Pensou em como seria bom lhe contar histórias para dormir, passar as mãos em sua pele macia, cheirando a mocidade.
- Você está esperando a sua mãe, que não chega: quer que eu a leve para casa?
- Minha mãe não quer que eu fale com estranhos.
Ela olhou duro nos olhos dele. Pegou rapidamente a merendeira e a pasta, foi se afastando, e espiando para conferir se a distância entre eles aumentava, ou se ele vinha andando atrás dela.
- Ela se assustou, que bobagem! Eu não faria nada que a molestasse! Pensou, olhando a cinza comprida, pendurada no cigarro como um ponto de interrogação.
- Ou não!


Angela Nabuco

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