sexta-feira, 5 de junho de 2009

beatlemania

Fui uma beatlemaníaca.
Com direito a recortes de revistas e jornais, que eu colava num caderno espiral ou nas paredes do meu quarto.
Não chegaria a desmaiar ou chamar aos berros pelo nome do Paul, se os tivesse visto cara a cara, porque nunca fui dada à histeria.
Mas que ira bater uma taquicardia, isso iria.
Tenho até hoje todos o seus elepês.
Tempos outros, saudosismos à parte, a vida era feita de coisas boas e ruins, mas muito diversas das atuais.
Nos meus treze anos, as festinhas eram o ponto alto, e a mãe tinha que levar, e apanhar quando acabasse.
Toda a semana girava em função da festa do sábado à noite.
O vestido poderia ser um tubinho, justo no corpo, ou mais solto, evasée. Poderia também ser op art, com estampas geométricas.
O salto do sapato era fininho, e não muito alto.
Os cabelos deveriam ser lisos e soltos. Fazíamos a touca, que consistia em girar o cabelo ao redor da cabeça, prendendo-o com grampos, no formato de um cocô de vaca. Depois era preciso virar a touca, isto é, fazê-la no sentido contrário, para que nenhum fio denunciasse os cachos típicos da mulher brasileira. As que tinham cabelo mais crespo, passavam-no a ferro, um artifício precursor da atual piastra.
Nas manhãs-tardes de sábado, íamos à praia, biquínis ainda não tão pequenos, onde fazíamos um montinho de areia, à guisa de travesseiro. Deitadas sobre a toalha estendida sobre ele, torrávamos a pele até ficarmos quase mulatas, besuntadas de Rayto de Sol. Depois virávamos de costas para distribuir o bronze. Lembro-me de uma amiga que só se bronzeava deitada de barriga para cima. Verinha alegava que as pessoas, se cumprimentando sempre de frente, jamais diriam: “Como você está queimada!” olhando alguém pelas costas.
Já então preparávamos carinhosa e inconscientemente o câncer de pele do futuro.
Mas nos sábados à noite estávamos belas!
E a noite não era tão noite quanto hoje: não havia esse negócio de madrugada adentro. Tudo começava e acabava mais cedo.
Inesquecível, a festa num apartamento chiquérrimo da Vieira Souto: a mãe das meninas andava no meio de nós (o que por si já representava um constrangimento), com uma vassoura do tipo “bruxa” nas mãos. Numa tentativa esdrúxula de animar a festa, ela “varria” os mais encabulados para o meio do salão.
Num dado momento, a mãe bruxa parou a música aiuanaholdiorhend, que marcava o ritmo de nossa dança caricata.
Anunciou alto, em nome das filhas, nos termos que, literalmente, guardo até hoje:
”Rosa Maria e Luciana agradecem, e pedem aos convidados que se retirem. Pessoas sem escrúpulos (os penetras eram freqüentes) rasgaram a roupa do meu porteiro, e quebraram a cara do meu copeiro”.
Estava encerrada a festa, comentada por um longuíssimo tempo, como chacota, entre nós.
A música dos Beatles permeou a vida daquela geração: nas festas, no radio ou em casa, tocada na vitrola Telefunken. E nós acompanhávamos cantando, num inglês rudimentar, sem saber bem o que dizíamos.
Mas nos cabelos longos dos quatro rapazes de Liverpool, no ritmo ímpar daquela música, respirávamos algo de novo. Em nossa alegre e ruidosa adolescência, já pressentíamos, quase na pele, o advento de grandes mudanças.
Uma repressão impregnada em séculos de história estava para ser modificada.
Uma conduta formal, e para lá de hipócrita, seria jogada para o alto.
Depois viriam as feministas queimando soutiens, a minissaia, a pílula, as drogas, os hippies e tudo o mais de bom e de ruim: mas tudo diferente, muito diferente.
O mundo começava a mudar o seu giro, e o tempo, daí para frente, correria mais depressa.
Fomos parte dessa grande revolução.
Mas impossível não repetir a pergunta que já nos fez muito apropriadamente o conhecido jornalista: o que fizemos de nós?

Angela Nabuco

Um comentário:

  1. Demos um passo a mais na solitária e longa estrada da sobrevivência. E ao som de Let It Be e Here Comes the Sun! Abraço do Jorge, agora seguidor fiel de ti, Angela amiga dos Cafés juizforanos!

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